Depois da queda dos sistema político-econômicos de vários países socialistas, tornou-se comum ouvir na grande mídia que isso significou “o fim do socialismo”, “o fim da história”, “a vitória final do capitalismo”, “a prova de que o socialismo não funciona”. Qual é o problema dessa visão? É o que este texto tenta responder.

Fala-se muito do “colapso do socialismo na União Soviética”, porém o termo “colapso” é um erro semântico, por dar a ideia de que a razão para o fim da URSS foi uma falha supostamente inerente ao socialismo. Apesar de ter algumas causas internas, também teve causas externas importantes. Tentarei clarificar todas neste artigo.

A conquista do poder pelo proletariado e a eliminação de velhas instituições burguesas não levam por si próprias à instauração de novas relações de produção, nem estas novas relações surgem imediatamente, nem são ordenamentos legislativos instaurados mediante decisão estatal. Recai sobre o poder proletário a responsabilidade de criar instituições sociais adequadas às forças produtivas e de desenvolver tais forças, tecnicamente e politicamente (neste aspecto, dar a elas um viés coletivista e democrático, bem diferente do que se encontra em qualquer empresa capitalista, por exemplo).

O desenvolvimento das forças produtivas em cada país socialista é essencial para a construção de uma sociedade comunista. É capaz que isso já esteja claro para qualquer pessoa que tenha lido os clássicos de Marx e Engels. Porém, é a partir das revoluções proletárias na Coreia e na China que surge uma ênfase maior nos aspectos político e ideológico da revolução, ou seja, a transformação dos indivíduos em relação à cultura, à moral, etc.

Mas a primeira fase do comunismo, comumente chamada de socialismo, não é um novo modo de produção. Ela é uma fase de transição do modo de produção capitalista para a segunda fase do comunismo, como Marx deixa claro em Crítica ao Programa de Gotha. No socialismo ainda existem classes e, além disso, há o agravamento da luta de classes, com o proletariado tentando se constituir plenamente como classe dominante. Não foi rápido para a burguesia conseguir abolir completamente o feudalismo (3 séculos e mesmo assim, ainda existem países com resquícios feudais, principalmente no hemisfério sul); com o proletariado essa tarefa não é menos difícil.

É importante conhecer experiências anteriores. Não se trata de “ficar preso no passado”, mas conhecê-lo realmente, para não cair nas armadilhas ideológicas que a classe dominante nos impõe. Além disso, o presente depende do passado; a situação atuais é entendida com mais precisão se conhecemos o passado relacionado a ela. Os comunistas precisam conhecer a história do movimento comunista por completo. Isso, obviamente, não é fácil e não será explicado através de um único texto. O presente texto se focará União Soviética por ela ter sido o maior baluarte do socialismo na história, palco dos acontecimentos mais importantes ao movimento comunista até hoje, inclusive com influência direta nas organizações brasileiras.

A propriedade num país socialista é a propriedade de uma organização social, geralmente órgãos de poder popular (como os Soviets na URSS, as Comunas Populares na China, os Comitês Revolucionários na Coreia, os Comitês de Defesa da Revolução em Cuba e quaisquer conselhos de trabalhadores e comunas). Essa é a principal diferença em relação à sociedade capitalista. Além das propriedades coletivas, há aquelas que são controladas diretamente pelo Estado (que não é uma entidade independente da sociedade) e também a minoria de propriedades individuais e privadas (lembrete: a primeira fase do comunismo é uma sociedade que surge a partir das ruínas de uma sociedade capitalista e é um período muito longo, em que ainda permanecem algumas contradições sociais, com solução a longo prazo).

Tudo começou com a Comuna de Paris, que não vingou por uma série de problemas internos (erros teórico-práticos do próprios comunardos) e externos (a força dos exércitos inimigos – lutaram contra vários exércitos nacionais – era estrondosa). A Comuna durou apenas 3 meses, mas foi a primeira vez que o proletariado foi capaz de sentir que ele é uma classe revolucionária responsável por fazer sua própria história. Foi a refutação cabal de quem dizia que “as Massas eram inertes”, que elas não tinham relevância histórica e o que fazia a roda da história girar eram, na verdade, os intelectuais e filósofos. Depois de uma séria luta de classes em que o proletariado saiu vitorioso, em 1917 é fundada a República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR). Em 1922, cria-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), quando uniram-se: a RSFSR, a RSS (República Socialista Soviética) Bielorrussa, a RSS Ucraniana e a RSFS Transcaucasiana.

Os limites do caminho percorrido pela União Soviética para o comunismo e as dificuldades encontradas neste caminho foram determinados, sobretudo, pelo fato de que o proletariado europeu não fez a sua revolução. Isso levou Vladimir Ilytch Lenin a formular o que se conhece hoje como “socialismo em um só país”, termo que não deve ser interpretado ao pé da letra pois tanto Lenin quanto Stalin o defendiam tendo em vista o desenvolvimento de processos revolucionários, gradualmente, em cada país no mundo. Tal teoria é lançada nos seguintes termos, por Lenin, em seu Sobre a Palavra dos Estados Unidos da Europa:

“A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Daí decorre que é possível a vitória do socialismo primeiramente em poucos países ou mesmo num só país capitalista tomado por separado. O proletariado vitorioso deste país, depois de expropriar os capitalistas e de organizar a produção socialista no seu país, erguer-se-ia contra o resto do mundo, capitalista, atraindo para o seu lado as classes oprimidas dos outros países, levantando neles a insurreição contra os capitalistas, empregando, em caso de necessidade, mesmo a força das armas contra as classes exploradoras e os seus Estados. A forma política da sociedade em que o proletariado é vitorioso, derrubando a burguesia, será a república democrática, que centraliza cada vez mais as forças do proletariado dessa nação ou dessas nações na luta contra os Estados que ainda não passaram ao socialismo. É impossível a liquidação das classes sem a ditadura da classe oprimida, o proletariado. É impossível a livre unificação das nações no socialismo sem uma luta mais ou menos longa e tenaz das repúblicas socialistas contra os Estados atrasados”.

Em 26 de dezembro de 1919 foi lançada a campanha de erradicação do analfabetismo, o Libkez (ликбе́з), quando Lenin assinou o decreto “Sobre a erradicação do analfabetismo entre a população da RSFSR”. Todas as pessoas entre 8 e 50 anos eram obrigados a se alfabetizar em sua língua materna. Em 1917, somente 32% dos adultos na Rússia sabiam ler e escrever; em 1926, o número sobe para 60,9%; em 1939, sobe para 89,7% e na década de 50 já era de quase 100%, algo que ainda hoje, em 2013, é considerado “luxo” apenas dos países capitalistas mais desenvolvidos.

O número de clubes culturais e instituições afins aumentou de 32 mil em 1929 para 54 mil em 1933. O fundo de livros das bibliotecas públicas era em 1932 de 91 milhões de exemplares contra 9 milhões em 1913 e o número de museus elevou-se para 732 em 1932, em lugar dos 180 que havia em 1913. A imprensa soviética transformou-se, cada vez mais, num instrumento efetivo de educação e organização das massas. A tiragem total dos jornais que se publicavam no país elevou-se de 9,4 milhões em 1928 para 36,5 milhões em 1933. Em todos os distritos editavam-se jornais de raio local, cerca de 3 mil das seções políticas das E.M.T. (estações de máquinas e tratores) e mais de mil de fábricas e empresas, com grandes tiragens. O exército de correspondentes operários e camponeses superava a cifra de 3 milhões de pessoas. Em 1932, publicava-se em 88 línguas, de todos os povos da URSS. Impulsionou-se, grandemente, a rádio-difusão.

A Dra. Esther Conus, relata em seu livro Proteção à infância e à maternidade na URSS que após a Revolução de Outubro as mulheres constituíam a terça parte da população operária da Rússia, recebendo os mesmos salários dos homens empregados em igual função. Ainda assim, em cada aldeia, as mulheres tinham que lutar contra hábitos seculares. A jornalista Anna Louise Strong conheceu vinte presidentas de aldeias, em 1928, em um trem na Sibéria, rumo ao Congresso das Mulheres em Moscou. Para a maioria delas, aquela tinha sido a primeira viagem de trem e apenas uma estivera fora da Sibéria alguma vez. Elas tinham sido convidadas para ir a Moscou com o intuito de “aconselhar o governo” sobre as exigências das mulheres; para tanto, seus municípios as haviam escolhido por votação para representá-los.

O poder soviético usou várias armas para libertar as mulheres, como a educação, a propaganda e a lei em todas as partes. Ousaram desafiar a cultura burguesa que as relegava ao papel de ama doméstica. Grandes julgamentos públicos condenaram duramente os maridos que assassinaram suas esposas. Com a pressão das novas exigências, juízes confirmaram a pena de morte para os praticantes do que o velho costume não considerava como crime.

Ao aprofundar-se a miséria e sem dispor de tempo livre, as mães trabalhadoras eram obrigadas a colocar, cada vez mais cedo, seus filhos como aprendizes nas fábricas e nos campos. Não era por acaso que a Rússia pré-revolucionária tinha o maior índice de mortalidade infantil do mundo, situação que se reproduz nos países sob o domínio do imperialismo. A proteção à infância e à maternidade na URSS, enquanto existiu de forma revolucionária, tornou-se um dos principais cuidados do Comissariado do Povo para a Saúde Pública.

Leia o restante em: https://iglusubversivo.wordpress.com/2014/01/09/o-caminho-do-socialismo-sovietico-a-restauracao-capitalista/

  • Camarada ForteMA
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    2 years ago

    Belíssimo texto, camarada. É seu?

    Gostaria de fazer um comentário sobre esse parágrafo:

    Fala-se muito do “colapso do socialismo na União Soviética”, porém o termo “colapso” é um erro, por dar a ideia de que as razões são internas. Se alguém for assassinado, não se fala em um “colapso”. A culpa de uma contra-revolução não se encontra no exercício do poder das vítimas desta, mas o fato dessas vítimas terem perdido o poder.

    Embora certamente tivesse sofrido com a pressão econômica das guerras de proximidade promovidas pelos EUA e seu aparato, a URSS teve de fato seu fim condicionado por problemas internos de sua economia socialista. O livro Socialismo traído de Roger Keeran e Thomas Kenny discutem isso à fundo.

    No geral, dentro da URSS crescia uma “economia paralela”, onde uma pequena-burguesia tomou força desde as políticas de Khrushchev. Com o conluio de membros corruptos do PCUS, recursos da economia socialista passaram a ser desviados favorecendo a produção desses pequenos-burgueses, e em questão de décadas, alguns desses passaram a gerenciar fábricas inteiras expropriadas de forma ilegal operando sob proteção de membros corruptos dentro do partido e de outros aparatos jurídicos, que eram subornados e por isso, serviam os interesses desses capitalistas subalternos.

    Em algumas regiões da URSS, a economia privada crescia muito mais rápido que a economia socialista, afetando toda a integridade da sociedade soviética. Essas forças econômicas estavam por trás das políticas de Brezhnev e Gorbachev, que em última análise, favoreciam diretamente os capitalistas que eventualmente tomaram poder na contra-revolução de 91.

    Esse artigo da ProleWiki em inglês também aborda isso.

    • @ComunaOP
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      2 years ago

      Sim, é meu. Me expressei de forma incorreta mesmo nesse trecho, irei corrigi-lo em breve texto corrigido.