A denúncia da África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça de Haia ganhou mais uma manifestação de apoio de Cuba. A ilha caribenha reforçou nesta, sexta-feira (21/06), que defende a acusação de crime de genocídio cometido pelo Estado israelense contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Outros países da América Latina, como Brasil, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Chile e Nicarágua, também já se manifestaram favoráveis à queixa.

O governo cubano já havia manifestado apoio à denúncia anteriormente. Agora, porém, o posicionamento deixa de ser declarativo. Com isso, o país passa a exercer o direito de comparecer em tribunal e emitir opinião durante o julgamento.

“Cuba fará uso do seu direito de apresentar, enquanto Estado Terceiro, a sua interpretação das normas da Convenção que Israel violou flagrantemente com as suas ações no território palestino ilegalmente ocupado da Faixa de Gaza”, diz o comunicado do Ministério das Relações Exteriores.

O órgão afirma que o processo “tem como principal objetivo pôr termo às atrocidades cometidas contra o povo palestino em consequência do uso desproporcionado e indiscriminado da força por parte de Israel”.

O texto diz ainda que Israel conta com “total impunidade” e “cumplicidade do governo dos Estados Unidos”. A nota acrescenta que “o genocídio, o apartheid, a deslocação forçada e a punição coletiva não têm lugar no mundo de hoje, nem podem ser tolerados pela comunidade internacional. A justiça e o respeito pela Carta das Nações Unidas e pelo direito internacional devem prevalecer”.

Apresentado em dezembro passado à mais alta corte da Organização das Nações Unidas (ONU), o processo da África do Sul argumenta que as ações perpetradas pelo Estado de Israel são de “natureza genocida”, já que “se pretendem destruir uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestino”.

No documento de 84 páginas apresentado pelo país africano, afirma-se que esses “atos de genocídio fazem inevitavelmente parte de um contínuo”, a par de vários crimes de guerra, tais como “ataques intencionais contra a população civil, objetos e edifícios civis dedicados à religião, à educação, à arte, à ciência, monumentos históricos, hospitais e locais onde os doentes e feridos são recolhidos”.

“Uma postura internacionalista e solidária”

Em entrevista ao Brasil de Fato, Akram Samhan, embaixador da Palestina em Cuba, afirma que a posição de Cuba é coerente com “a solidariedade que o povo e o governo sempre tiveram com a causa palestina”.

“Cuba sempre teve uma posição internacionalista e de solidariedade com o nosso povo. Em todas as cidades cubanas se organizaram manifestações contra o genocídio”, lembra.

Samhan cita que o próprio presidente Miguel Díaz-Canel tem convocado e liderado estas manifestações nas ruas exigindo um cessar-fogo e a favor de uma solução para a causa palestina. “O presidente chegou mesmo a se reunir com estudantes palestinos em Cuba, convidando-os a irem ao palácio da revolução para ouvi-los e apoiá-los nessa situação terrível que eles e as suas famílias estão a atravessar”, destaca.

Desde meados da década de 1970, Cuba concede anualmente bolsas de estudo a jovens palestinos para estudarem na universidade na ilha. Atualmente, há mais de 250 deles que estudam medicina em Cuba. Muitos vêm da própria Faixa de Gaza, onde os seus familiares e amigos tentam sobreviver dia a dia.

“Com esta declaração, Cuba junta-se à pressão exercida pela África do Sul para que o Tribunal Internacional de Justiça intervenha a favor de um cessar-fogo total e não apenas temporário. Pressão para que as forças de Israel se retirem do território onde estão a perpetrar este genocídio. Para que a ajuda humanitária chegue à Faixa de Gaza e para que todos os refugiados possam regressar às suas casas”, pontua.

No final de maio, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu novas medidas provisórias exigindo a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, assim como o fim dos bombardeios e ataques à cidade de Rafah. Resoluções a que o Estado de Israel desobedeceu impunemente.

Os números do horror

De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), desde o início de maio, quando o Estado de Israel decidiu lançar a sua incursão militar contra Rafah, cerca de 800.000 pessoas foram deslocadas. Até então, Rafah era o único local onde os mais de 1,9 milhões de Palestinos deslocados não estavam sob o cerco dos bombardeios.

Após mais de oito meses de ofensivas do Estado de Israel na Faixa de Gaza, mais de 37 mil pessoas foram assassinadas, segundo o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza. Calcula-se que mais de metade sejam crianças. De acordo com cálculos oficiais, 60% das casas foram destruídas. E mais de 10.000 pessoas encontram-se desaparecidas, podendo estar sob os escombros.

Por outro lado, desde 7 de outubro, as forças de segurança de Israel em conjunto com os colonos foram responsáveis pelo assassinato de mais de 500 Palestinos nos territórios ocupados da Cisjordânia.

Recentemente, foi publicado o primeiro relatório oficial da Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre o Território Palestino Ocupado – incluindo Jerusalém Oriental – e Israel. A comissão conclui que Israel cometeu crimes contra a humanidade, utilizando a fome como método de guerra e infligindo castigos coletivos em Gaza.

“O imenso número de vítimas civis em Gaza e a destruição generalizada de bens e infraestruturas civis são o resultado inevitável de uma estratégia empreendida com a intenção de causar o máximo de danos, ignorando os princípios da distinção, da proporcionalidade e das precauções adequadas”, afirma a Comissão.

Pressão internacional

Apesar da contínua e histórica desobediência do Estado de Israel às resoluções da ONU e às medidas adotadas pelo Tribunal Internacional de Justiça, Akram Samhan afirma que decisões como a de Cuba ajudam a “gerar pressão”.

“A decisão de Cuba faz parte de vários esforços para gerar pressão sobre as grandes potências, especialmente os Estados Unidos, que acabam por permitir que o Estado de Israel continue com o genocídio”.

Nestes esforços de visibilidade e pressão, Samhan destaca o papel da mobilização popular. “Vimos como as pessoas, os jovens em muitos países do mundo, desempenharam um papel importante ao pressionar e obrigar os seus governos a pronunciarem-se a favor do fim deste massacre e desta guerra sangrenta que Israel está fazendo contra o nosso povo”, finaliza.